A Lei foi criada em 7 de agosto de 2006 e leva o nome em homenagem a mulher vítima de tentativa de feminicídio por duas vezes
É inegável que existe um “antes” e um “depois” da criação da Lei Maria da Penha. A legislação, considerada uma das mais eficientes na defesa da mulher, estabeleceu um marco temporal na punição de crimes de gênero e alcança hoje (7) sua maioridade.
A lei homenageia sua homônima, a farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que escapou da morte pelas mãos do então marido por duas vezes – mas não sem marcas: ela perdeu o movimento das pernas após ser baleada pelo cônjuge. Ela se dedica a vida ao combate à violência contra as mulheres e é, literalmente, símbolo de resistência e da lei que leva seu nome.
A data, portanto, é motivo de celebração. A Lei Maria da Penha é a mais conhecida do Brasil e determina que a violência doméstica contra mulheres passe por apuração mediante inquérito policial e posterior encaminhamento ao Ministério Público.
Além do rigor, a legislação também criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, alterando o código do Processo Penal, Código Penal e a Lei de Execução Penal. Pode não parecer, mas essa obrigatoriedade e a criação de varas especializadas revolucionou a impunidade em crimes dessa categoria.
Maria da Penha é referência na defesa das mulheres
A presidente da COMCEVID-OAB/MS (Comissão de Combate a Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres), Luciana Azambuja Roca, detalha que a Lei Maria da Penha é uma das três melhores legislações na defesa das mulheres em situação de violência.
“A Lei Maria da Penha não só é a lei mais conhecida no Brasil, como uma das três melhores legislações do mundo na defesa das mulheres em situação de vulnerabilidade. Além de estabelecer normas legais, vem influenciando a mudança de cultura na sociedade, para a não normalização da violência doméstica e familiar, para a qualificação dos órgãos públicos, que devem prestar um atendimento integral, transversal, humanizado e especializado”, comentou.
A advogada ressalta o marco do dia 7 de agosto de 2006. “Até 2012, a Lei Maria da Penha teve sua constitucionalidade questionada. Até a sua sanção, a violência contra a mulher no âmbito doméstico era considerada um crime de menor potencial ofensivo. A partir de 7 de agosto de 2006, temos um marco histórico, uma lei que tipificou as formas de violência, criou medidas protetivas e implementou uma rede de atendimento que acolhe principalmente as mulheres mais vulnerabilizadas”, destacou.
O dia é de comemoração, mas também é um dia de planejar novas estratégias para que futuras mulheres não sofram.
“É algo obviamente celebrado, mas imediatamente responsabilizado com ações no campo. Mas, graças à Lei Maria da Penha, a gente consegue investigar esses crimes de violência de gênero, criando delegacias especializadas, debate, entre outros. Também há uma necessidade de que a sociedade encare o problema da violência de gênero contra as mulheres como um problema político, social e não como algo de responsabilidade do fórum íntimo”, comentou a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres, Manuela Nicodemos Bailosa.
Prevenção é importante
Para Luciana, a sociedade em geral ainda tem muito a evoluir para prevenir que próximas mulheres sejam vítimas de qualquer tipo de violência. E também que mulheres vítimas de violência se enojarem e busquem por ajuda.
“Ainda temos muito por fazer, ampliando as ações preventivas com palestras e rodas de conversas, informando sobre o direito das mulheres, reforçando a importância de buscar por ajuda nos primeiros sinais de violência, para impedir que um mal maior aconteça, encorajando as vítimas a denunciarem a violência sofrida, com oferecimento de serviços especializados, o funcionamento 24h das delegacias especializadas, pois é no período noturno e fins de semana que a maioria dos crimes ocorre e, ainda, a implantação das varas híbridas, com competência para atuar nas áreas criminal e cível em processos de violência doméstica e familiar, como prevê o art. 14 da Lei Maria da Penha, facilitando para a vítima a busca por soluções processuais criminais e no âmbito de família”, destacou.
Importante reedificação na Lei Maria da Penha
Para a subsecretária de Política Públicas para Mulheres, Manuela Nicodemos Bailosa a Lei Maria da Penha ganhou uma mudança marcante, pois anteriormente as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência precisava abrir um boletim de ocorrência contra o agressor, para conseguir solicitar a medida protetiva. Contudo, uma mudança na Lei, agora permite que as mulheres peçam a medida protetiva de urgência, sem a necessidade do boletim de ocorrência.
“Anteriormente, a mulher vítima de violência doméstica precisava realizar um boletim de ocorrência para a concessão da medida protetiva de urgência. Agora, apenas a palavra da vítima é suficiente para ter essa concessão de medida protetiva de urgência. Isso independente da existência ou não do boletim de ocorrência, inquérito policial, processo civil ou criminal em face do agressor”, comentou.
Ainda, a subsecretária reforçou que a nova lei 14.550/2023, não vem como uma ferramenta de mudança, mas sim de ratificação.
“Esse entendimento trazido pela lei 14.550/2023, traz inserções para a Lei Maria da Penha, não vem como uma ferramenta de mudança, mas de ratificação do previsto, mas que era alvo de inúmeras interpretações controversas decisões judiciais pelo Brasil, o que, por vezes, dificultava a garantia do direito da mulher à proteção”, destacou Manuela.
“A principal ratificação trazida pela lei 14.550/2023 diz respeito à suficiência da palavra da vítima para a concessão da medida protetiva de urgência, mesmo que a mulher não tenha registrado sequer um boletim de ocorrência em face do agressor. Isso porque a natureza jurídica da Lei Maria da Penha é autônoma, ou seja, nem criminal e nem penal, conforme pacificado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e ratificado na lei mais recente”, destacou.
Base para outras legislações
A Lei Maria da Penha foi base para outras legislações, que reforçam cada vez mais a necessidade do enfrentamento à violência doméstica.
“As recentes leis que versam sobre a proibição de guarda compartilhada em hipótese de violência doméstica, a não nomeação de servidores públicos condenados nos termos da Lei 11.340/2006, a impossibilidade de utilização da tese de legítima defesa da honra em julgamento de feminicídios, a garantia de sigilo do nome da vítima em processos judicial por violência doméstica, a obrigação do agressor frequentar programas de responsabilização, entre outras tantas”, comentou Luciana.
O Projeto de Lei nº 1.822, assegura maior proteção à vítima e preserva também a sua integridade. Visto que a lei garante o sigilo do nome da vítima, preservando a revitimização. Isso permite que ela busque por justiça e inicie o processo de recuperação sem ter que se preocupar com a exposição pública.
Violência contra a mulher em Mato Grosso do Sul
Nos últimos dez anos, houve o registro de 302 feminicídios em Mato Grosso do Sul, conforme os dados de estatística do Sejusp. Nessa análise de 2014 a 2024, o ano em que mais registrou morte em decorrência do gênero feminino foi em 2022, com 44 mortes.
Se compararmos o ano de 2022 com 2023, houve uma redução de aproximadamente 31% no número de feminicídios. Sendo que 2022 registou 44 mortes e 2023 registou 30. Contudo, de janeiro até o momento já houve o registrado de 19 feminicídios. Isso representa uma média de 2 mulheres morta por mês, em Mato Grosso do Sul.
Sentenças e outros números
(Reprodução, SIGO Estatística, Sejusp)
Desde 2010, são mais de 32.518 mil sentenças condenatórias em decorrência de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. De janeiro até o momento, já foram realizadas 2.305 mil sentenças. No ano de 2023, foram realizadas 3.881 sentenças, no comparativo com os dados desde 2010, foi o ano em que mais foram realizadas as condenações.
Durante o ano passado, foram registradas 20.761 ocorrências de violência doméstica contra mulheres, em Mato Grosso do Sul. Já neste ano, até o momento, foram registrados 11.460 ocorrências relacionadas a violência doméstica.
Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher
- Conforme a Lei, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
- I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
- II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
- IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Procure por ajuda
O “Ligue 100” é um dos serviços essenciais para o enfrentamento à violência contra a mulher, as denúncias são anônimas. Além disso, o canal direciona e orienta as mulheres em situação de violência para serviços especializados na rede de atendimento.
“As denúncias são anônimas, para violação dos direitos de meninas e meninos, é o ‘Disque 100’. O 180 é a central de informações para as mulheres, dá para fazer também denúncias pelo 180. Diante de um flagrante ou risco de morte, é na Polícia Militar 190. As pessoas precisam denunciar”, reforçou a subsecretária Manuela.
A presidente da COMCEVID destaca a importância de se encorajar e buscar por ajuda todas as mulheres. “Não se calem! O silencia mata, e só interessa ao agressor”.